Opinião

11 de janeiro de 2012

É a especulação imobiliária, estúpido!

Logo cedo, Ruy Castro me convenceu que a ação policial desencadeada pelos governos paulista e paulistano contra a legião de usuários de crack poderia ser benéfica sob o argumento de que, enquanto ilhados, os dependentes estavam seguros dentro de sua miséria e que a quebra da rotina, ainda que temporária, daria a eles "uma chance de exercer a última centelha de razão que lhes resta" para a salvação pelo tratamento.
Já no final da tarde, li o artigo da urbanista Raquel Rolnik denunciando uma ação política higienista e desastrada que espalhou a miséria humana por toda a cidade. Segundo Raquel, como a operação se limitou a espantar aquelas pessoas da Cracolândia, a PM está tendo que escoltar pelas ruas da cidade grupos de até cem pessoas cada, chocando a mesma sociedade que achou possível deixar aquele desastre social crescer sem jamais ser afetada.
A princípio perdi o norte. Como poderia concordar com duas opiniões aparentemente conflitantes e divergentes. Porém ambos estão certos. Ao tempo em que os dependentes circulam e (re)conhecem um modo de vida do qual já estavam esquecidos, aumentando a chance real de reabilitação voluntária, a circulação dessa massa humana miserável obriga a sociedade a (re)conhecer sua existência e, principalmente, a imputar o custo político e eleitoral do desastre aos que, no exercício do poder, a empurrou para ruas nas quais quase ninguém passa, como quem esconde a sujeira sob os tapetes.
Ademais, é preciso ressaltar que uma horda miserável e desorganizada praticamente declarou independente uma parte da capital a que se denominou Cracolândia, tomou conta das ruas, praças e calçadas, liberou geral o comércio de drogas e ali instalou um louco e abusado 'estado comunitário' que o Estado Oficial tinha a obrigação de retomar.
Mas, como disse Raquel, se você ainda não entendeu o que está por trás disso tudo, eu conto:
É a especulação imobiliária, estúpido.

Leia mais

Última centelha
Ruy Castro, Folha de S.Paulo, Editoriais, 11/01/2012

Diáspora na Cracolândia é filha da especulação imobiliária.
Raquel Rolnik,urbanista e relatora especial da ONU para o direito à moradia, www.blogdacidadania.com.br, 10/01/2012


19 de novembro de 2011

Fora de foco.

Ao reconhecer a possibilidade da penhora de bem de família em execução de título judicial decorrente de ação de indenização por ato ilícito a 4ª Turma do STJ contrariou frontalmente o inciso XLV, do art. 5º da Constituição Federal que determina que "nenhuma pena passará da pessoa do condenado".

O réu foi condenado em ação de indenização de ilícito penal ao pagamento de valor correspondente ao prejuízo do autor. Na execução, ocorreu a penhora de imóvel ocupado pela família do condenado, que embargou pedindo a desconstituição da constrição por se tratar de bem de família. O pedido, negado em segunda instância, subiu ao STJ.
O relator (Ministro Luis Felipe Salomão) apontou que a regra de exceção trazida pelo artigo 3º da Lei 8.009 decorre da necessidade e do dever do infrator de reparar os danos causados à vítima, mesmo reconhecendo que o legislador não explicitou nesse artigo o caso de execução de título judicial civil, decorrente de ilícito criminal apurado e transitado em julgado. Contudo, ponderou que entre os bens jurídicos em discussão, de um lado está a preservação da moradia do devedor inadimplente e do outro o dever de ressarcir os prejuízos sofridos por alguém devido à conduta ilícita criminalmente apurada.
Segundo sua interpretação, o legislador preferiu privilegiar o ofendido em detrimento do infrator. Todos os ministros da Turma acompanharam o voto do relator, apenas com ressalvas dos ministros Raul Araújo e Marco Buzzi, para os quais essa interpretação mais extensiva da lei deve estar sujeita à análise das peculiaridades de cada caso.
Ocorre que o imóvel residencial "próprio do casal, ou da entidade familiar" é protegido pelo art. 1º da Lei nº 8.009/1990, com caráter de impenhorabilidade, para não responder "por qualquer tipo de dívida civil, comercial, fiscal, previdenciária ou de outra natureza, contraída pelos cônjuges ou pelos pais ou filhos que sejam seus proprietários e nele residam", ressalvadas as hipóteses previstas na própria lei, dentre as quais destacamos a "execução de sentença penal condenatória a ressarcimento, indenização ou perdimento de bens".
Não se encontrará dentre as exceções previstas na lei de regência a hipótese relativa à execução de sentença civil, ainda que decorrente de ilícito criminal apurado e transitado em julgado.

Parece claro que, inexistindo previsão para a desconsideração da proteção legal ao imóvel residencial "do casal, ou entidade familiar" por conta de execução de título judicial civil, a penhora resultará exclusivamente da sentença penal condenatória e sua manutenção, com as consequencias dela decorrentes, implicará em inadmissível apenamento da família do condenado.